terça-feira, 14 de agosto de 2012

A ideologia e a dominação capitalista

O pensador alemão Karl Marx (1818-1883) afirmou que a ideologia dominante será aquela advinda da classe que domina a sociedade, ela representará, então, as ideias, a forma de pensar e explicar o mundo provenientes desta mesma classe. Essas afirmações encontramos na obra A Ideologia Alemã escrita em 1845-1846, “As ideias (...) da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante” (MARX, 1996: 72). E essas ideias possuem a característica de aparecerem para todos como universais e racionais “(...) cada nova classe que toma o lugar da que dominava antes dela é obrigada, para alcançar os fins a que se propõe, a apresentar seus interesses como sendo o interesse comum de todos os membros da sociedade, isto é, para expressar isso mesmo em termos ideais: é obrigada a emprestar às suas ideias a forma de universalidade, a apresentá-las como sendo as únicas racionais, as únicas universalmente válidas” (MARX, 1996: 74).

Para Marx, na sociedade capitalista a produção de objetos é a atividade essencial, pois é com ela que a divisão em classes e a exploração do trabalho ocorrem. Essa divisão impulsiona a classe dominante em manter o controle sobre o conjunto da sociedade. Na análise que Marx realiza sobre o capitalismo, que encontramos na obra O Capital, de 1867, há uma crítica à forma como essas relações entre patrões e empregados vão ocorrendo na sociedade.
Quando compramos alguma coisa não nos importamos em saber em quais condições de trabalho e com qual salário aquele objeto foi produzido. Por exemplo, se você está com frio e tem que comprar uma blusa, vai se preocupar com a utilidade que ela terá para você. Não se preocupará com as condições de trabalho dos operários da indústria têxtil.
A propaganda irá atuar sobre você e o consumo ocorrerá via esta ação misteriosa e mágica que revela somente a utilidade do produto.
Isso ocorre com qualquer objeto produzido no capitalismo, pois todos eles podem ser igualados. Veja: se as horas gastas para produzir a sua blusa forem igualadas às horas para produzir um CD, eles vão ter o mesmo preço. É por isto que muitas vezes um CD custa o mesmo que uma lata de ervilha. Quanto menos tempo leva, dentro da jornada, para produzir um objeto, mais lucro tem o capitalista, que com uma determinada produção paga os gastos que tem com o trabalhador. Essa igualdade de horas trabalhadas vai equiparar as mercadorias e na hora do consumo só vai importar o preço das coisas. Este é o caráter mágico cheio de “argúcias teológicas” que Marx está indicando no seu texto que vamos citar a seguir:
“A primeira vista, a mercadoria parece ser coisa trivial, imediatamente compreensível. Analisando-a, vê-se que ela é algo muito estranho, cheio de sutilezas metafísicas e argúcias teológicas. Como valor de uso, nada há de misterioso nela, quer a observemos sob o aspecto que se destina a satisfazer necessidades humanas, com suas propriedades, quer sob o ângulo de que só adquire essas propriedades em consequência do trabalho humano. É evidente que o ser humano, por sua atividade, modifica do modo que lhe é útil a forma dos elementos naturais. (...) A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como característica materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho”. (MARX, K., 1994: 82).]

Nesta obra, O Capital, Marx, demonstra o Valor de todo e qualquer objeto que no capitalismo possui a forma de Mercadoria. Estes objetos vão possuir uma utilidade, que está localizada no consumo, e algo mais que está localizado na hora que a blusa, no caso do exemplo, for produzida. Analisar e desvendar o processo produtivo e a organização da sociedade foi a sua intenção.
Ao consumirmos somos influenciados pela necessidade e utilidade – básica ou supérflua – que temos de possuir determinado objeto. Em geral, não nos preocupamos em compreender o que ocorre com a realidade do trabalhador e seu modo de vida. Assim, o valor de uso, a utilidade possui uma força ao despertar a nossa atenção para o consumo. Então a Mercadoria possui um VALOR DE USO que é a utilidade do produto, o que nos leva a consumi-lo para suprir essa necessidade.
Já o que Marx chamou de VALOR é o processo de fabricação deste objeto (no caso do exemplo, a blusa), que tem um lugar determinado, na fábrica, quando durante a jornada de trabalho, ocorre o processo de exploração do trabalho no capitalismo. Vejamos, no exemplo a seguir:
Quando um(a) trabalhador(a) é contratado por uma determinada jornada de trabalho de 8 horas diárias, estamos considerando, que dentro desta jornada, existem três momentos:
1. Uma primeira parcela em que com duas horas de atividade em que este trabalhador(a) executou a sua função, ele paga o seu salário.
2. Uma outra parcela, de duas horas em que a sua atividade paga os custos da produção – matérias-primas, impostos, transporte do produto, a compra de novas máquinas.
3. Uma terceira parcela de quatro horas em que este trabalhador continua produzindo e estes produtos são o lucro ou um valor a mais – MAIS-VALIA – que o proprietário da fábrica vai se apropriar.

Esse processo configura o que Marx chamou de essência da sociedade, quando ocorre a produção de objetos, pois é neste momento que o trabalhador vai reproduzindo a sociedade ao aceitar as disposições legais do seu contrato de trabalho e se submete à jornada nele estipulada.
Em outros momentos também ocorrem determinações sobre os indivíduos quando vão estabelecendo uma ação de conformidade frente à “dureza” que é o cotidiano da busca do emprego, de pagar as contas, de ser atendido pelo médico, de poder ir ao cinema, enfim, resolver as necessidades materiais – ter acesso à comida, à água potável, a um abrigo seguro, ao conhecimento, e as necessidades subjetivas - sentimentos, desejos, questionamentos, aspirações.
E na hora em que vive este cotidiano, ele vai sendo sugado pela necessidade de garantir que as metas estabelecidas, no emprego sejam cumpridas: prazos, cotas, produtividade que estão na fábrica, na loja, no banco, na gráfica, no trabalho do cobrador e do motorista de ônibus.
No campo a realidade não é diferente, há a exigência de melhor rentabilidade na colheita de tantos alqueires no dia, nas exigências de colher tantas toneladas de cana no dia, enfim. Prazos são estabelecidos e para garanti-los nós não pensamos muito, vamos fazendo, executando e obedecendo, sem questionar.
*

domingo, 15 de julho de 2012

Filosofia? E eu com isso?

Filosofia? Pior do que não saber, é fingir que sabe; pior do que não conhecer, é fingir que conhece. O conhecimento e, portanto, a inovação, começa exatamente quando sei que não sei algo, quando tenho consciência da minha ignorância e enxergo a urgência em saná-la.
O ato de dizer “não sei” quando, de fato, não sabe, demonstra inteligência, humildade e desejo de aprender.
Filosofia é um modo de pensar sistemático, organizado e metódico com questões precisas daquilo que se faz, para indagar sobre os porquês. E por que não é como. Quem pergunta pelo como é a ciência.
A Filosofia se preocupa em pensar as razões da existência. Pensar aquilo que, de fato, faz com que o ser humano tenha sentido. Por exemplo, do que é feita a realidade? Por que é deste modo e não de outro? Qual o sentido que as pessoas dão à vida? Qual o lugar do mal dentro disso? A felicidade existe ou é ilusão? Por que existe alguma coisa, em vez de nada existir? Existe loucura? Vida boa o que é? É certo apenas o que é útil?
Um grande pensador do Brasil, Luis Roberto Salina Fontes, que foi professor da Universidade de São Paulo, dizia que não basta delirar e achar que está filosofando. Repita-se: a Filosofia é a atitude metódica, disciplinada, estruturada e intencional de indagação sobre as razões de ser das coisas e fatos, de maneira a produzir consciência e inovação.
A rotina do cotidiano nos leva muitas vezes a agir e viver no modo automático ou robótico, e isso impede a clareza das direções e bloqueia as condições para a edificação do inédito; a Filosofia é um brado de alto lá!
A Filosofia também inquieta, e a inquietação costuma ser criativa. Quando alguém, em vez de ficar animado com o que faz, fica apenas satisfeito, para de ir adiante; afinal só quem se sabe ainda pequeno é capaz de crescer, pois aquela pessoa que já está satisfeita com a dimensão que atingiu vai direto para a acomodação.
A Filosofia sozinha não nos basta para isso, mas sem ela fica mais difícil. Ao propor-se como reflexão sistemática, trazendo à tona as grandes questões que sempre estiveram fustigando a humanidade, a Filosofia que exercermos nos deixará mais capazes de lidar melhor com a nossa vida em meio a tantas vidas.
Somos, homens e mulheres, para usar uma expressão do italiano Umberto Eco, uma “obra aberta”, sempre em processo de invenção e reinvenção. Não nascemos prontos e viemos nos gastando; ao contrário, nascemos não prontos, e vamos nos fazendo...
Uma das coisas mais perniciosas para quem deseja dedicar-se à Filosofia é supor que ela serve para ensinar a pensar. É necessário lembrar que pensar é um atributo atávico da espécie, certo? Não é ensinado. Aí, você diz: “Não, mas é porque a Filosofia ensina a pensar de forma crítica”. Não necessariamente. Os nazistas tinham seus filósofos. As ditaduras têm os seus filósofos.
Isso significa que a Filosofia em si não tem a pureza que se deseja, ela precisa ser purificada. Essa purificação vem à medida que a gente retira dela qualquer marca de doutrinação e procura ser objetivo, para que nela não haja forma alguma de autoritarismo.
É da natureza do pensamento filosófico que você seja capaz de dizer às pessoas “pense nisso”, em vez de “pense isso”. Porque o “pense isso” é o pensamento impositivo, enquanto que o “pense nisso” é a oferta de uma série de indagações para uma reflexão que torna a nossa existência mais nítida, mais clara, mais consciente e, portanto, menos alienante.
A Filosofia por si, como disciplina, não tem o poder de desalienar. Nada é por si mesmo libertador, ou alienador. Dependerá do conteúdo e contexto.
Nunca me perguntaram o que eu não gosto na Filosofia. Porque a suposição sempre é que quem nela está é por ela é apaixonado. Eu costumo dizer que a paixão é a suspensão temporária do juízo. Eu tenho uma grande admiração, uma grande apreciação pela Filosofia, mas não sou apaixonado por ela. Porque, se eu fosse, eu perderia minha capacidade de objetividade; perderia, inclusive, a possibilidade de distanciamento crítico.
Eu não gosto na Filosofia da capacidade de ela nos capturar, de nos escravizar em alguns momentos, a partir de alguns esquemas mentais, quem podem nos levar a nos afastar da realidade.
Eu tenho com ela uma relação amorosa. Mas não me perco dentro dela e nem quero que ela se perca em mim. Eu a respeito. Quero ser por ela respeitado.
Quero ser livre; quero filosofar com a minha própria cabeça, usando a cabeça dos outros, especialmente o que muitos pensaram e está registrado nos clássicos. Quero me encantar com os clássicos da Filosofia para fazer a minha cabeça ficar melhor, mas quero ser livre.
Livre para pensar por mim mesmo e poder existir de maneira decente e consciente com os outros que comigo fazem a Vida.


Introdução do livro Filosofia e Ensino Médio, editora vozes, 2009. (adaptado)
*

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O casamento: uma exigência social

Em toda parte, existe uma distinção entre o casamento, isto é, um vínculo legal e aprovado pelo grupo entre um homem e uma mulher, e o tipo de união, permanente ou temporária, que resulta do consentimento ou da violência. Todas as sociedades possuem algum modo de estabelecer uma distinção entre as uniões livres e as uniões legítimas.
Em primeiro lugar, quase todas as sociedades conferem alto grau de distinção ao estado de casado. Onde existem gradações de idade, estabelece-se uma relação entre o grupo de adolescentes mais jovens, os solteiros menos jovens, os casais sem filhos e os adultos com plenos direitos.
O que é ainda mais notável é o verdadeiro sentimento de repulsa que a maioria das sociedades demonstra para com os solteiros. De modo geral, pode-se dizer que entre as chamadas tribos primitivas não existem solteiros, pela simples razão de que estes não poderiam sobreviver.
Um fato marcante neste aspecto foi um encontro do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, entre os Bororo do Brasil Central, com um homem de cerca de 30 anos de idade, sujo, mal alimentado, triste e solitário. Quando Lévi-Strauss pergunta se o referido homem estava seriamente doente, a resposta dos nativos constituiu uma surpresa: que tinha o coitado? - absolutamente nada, apenas era solteiro. De fato, os Bororo são uma sociedade onde o trabalho é sistematicamente dividido entre o homem e a mulher, e somente o estado de casado permite ao homem beneficiar-se dos frutos do trabalho da mulher; incluem-se aí a eliminação dos piolhos, a pintura do corpo, a depilação e ainda os alimentos vegetais e os alimentos cozidos, pois a mulher bororo lavra o solo e fabrica as panelas de barro. Numa sociedade assim, um solteiro é, na realidade, apenas meio ser humano.

Levando-se isso ao pé da letra, conclui-se que um homem ou mulher, que voluntariamente resolve não casar e ser solteiro a vida inteira, como tem acontecido com frequência na sociedade moderna, estaria matando a metade de si mesmo, condenando-se a ser meio homem ou meia mulher... Seria isso mesmo?

Adaptado de Claude Lévi-Strauss, do livro “A família”, cap. 1. - 1972.
*

quinta-feira, 8 de março de 2012

O QUE É A FILOSOFIA?

Cara Sofia! Há muitas pessoas que têm diversos “hobbys”. Algumas colecionam moedas antigas ou selos, outras fazem trabalhos manuais, outras ainda dedicam quase todo o tempo livre a uma modalidade desportiva.
Muitos gostam de ler. Mas aquilo que lemos pode variar muito. Há quem leia apenas jornais ou banda desenhada, outros gostam de romances, outros ainda preferem livros sobre os mais variados temas como a astronomia, a vida selvagem ou as descobertas técnicas.
Se estou interessado em cavalos ou pedras preciosas, não posso exigir que todos os outros partilhem deste interesse. Se me sento em frente à televisão encantado com todos os programas desportivos, tenho de aceitar que outros possam achar o esporte aborrecido.
Haverá alguma coisa que interesse a toda a gente?
Haverá alguma coisa que diga respeito a todas as pessoas, independentemente do que são e do lugar do mundo onde vivem? Sim, cara Sofia, há questões que dizem respeito a todos os homens. E neste curso trata-se precisamente dessas questões.
Qual a coisa mais importante na vida? Se o perguntarmos a alguém num país com o problema da fome, a resposta é: a comida. Se pusermos esta questão a alguém que esteja com frio, nesse caso a resposta é: o calor. E se perguntarmos a uma pessoa que se sinta muito sozinha a resposta será certamente: a companhia de outras pessoas.
Mas admitindo que todas estas necessidades estão satisfeitas - será que resta alguma coisa de que todos os homens precisam? Os filósofos acham que sim.
Segundo eles, o homem não vive apenas do pão. É evidente que todos os homens precisam comer. Todos precisam de amor e de atenção, mas há algo mais de que todos os homens precisam. Precisamos descobrir quem somos e porque é que vivemos. Interessarmo-nos pela razão da nossa existência não é um interesse ocasional, como o interesse em colecionar selos.
Quem se interessa por tais problemas, preocupa-se com tudo aquilo que os homens discutem desde que apareceram neste planeta. A questão acerca da origem do universo, do globo terrestre e da vida é mais vasta e mais importante do que saber quem ganhou mais medalhas de ouro nos últimos Jogos Olímpicos.
A melhor maneira de nos iniciarmos na filosofia é colocar perguntas filosóficas:
Como se formou o mundo? Haverá uma vontade ou um sentido por detrás daquilo que acontece? Haverá vida depois da morte? Como podemos encontrar resposta para estas perguntas? E, acima de tudo, como deveríamos viver? Estas perguntas foram colocadas desde sempre pelos homens. Não conhecemos nenhuma cultura que não tenha perguntado quem são os homens e de onde vem o mundo. As perguntas filosóficas que podemos colocar não são muitas mais. Já colocamos algumas das mais importantes.
A história oferece-nos muitas respostas diferentes para cada uma destas perguntas. Por isso, é mais fácil formular perguntas filosóficas do que encontrar a sua resposta.
Mesmo hoje, cada um deve encontrar as suas respostas para estas perguntas. Não podemos saber se Deus existe ou se há vida depois da morte, consultando a enciclopédia. A enciclopédia não nos diz como devemos viver. Mas ler o que outros homens pensaram pode, no entanto, ser uma ajuda, se quisermos formar a nossa própria concepção da vida e do mundo.
A busca da verdade pelos filósofos pode ser talvez comparada a um romance policial. Alguns pensam que Andersen é o assassino, outros pensam que é Nielsen ou Jepsen. Talvez o verdadeiro mistério deste crime possa ser um dia esclarecido subitamente pela polícia. Podemos também pensar que a polícia nunca conseguirá resolver o enigma. Mas este tem, no entanto, uma solução.
Mesmo quando é difícil responder a uma pergunta, é possível imaginar que a pergunta possa ter uma - e apenas uma - resposta correta.
Ou há uma forma de vida após a morte ou não.
Muitos enigmas antigos foram, entretanto, resolvidos pela ciência. Outrora, o aspecto da face oculta da Lua era um grande mistério. Não se podia descobrir a resposta através da discussão, e assim era deixada à imaginação de cada um. Mas hoje em dia sabemos exatamente qual é o aspecto da face oculta da Lua. Já não podemos acreditar que haja um homem vivendo na lua, ou que ela seja um queijo.
Segundo um filósofo grego que viveu há mais de dois mil anos, a filosofia surgiu da capacidade que os homens têm de se surpreender. O homem acha tão estranho viver, que as perguntas filosóficas surgem por si mesmas.
Pensa no que sucede quando observamos um truque de magia: não conseguimos perceber como é possível aquilo que estamos a ver. E perguntamo-nos: como é que o ilusionista conseguiu transformar dois lenços brancos de seda num coelho vivo?
Para muitos homens, o mundo parece tão inexplicável como o coelho que um ilusionista retira subitamente de uma cartola até então vazia. No que diz respeito ao coelho, percebemos claramente que o ilusionista nos enganou. O que pretendemos descobrir é como nos enganou.
Quando falamos sobre o mundo, a situação é diferente. Sabemos que o mundo não é pura mentira, uma vez que nós estamos na Terra e somos uma parte do universo. Na verdade, somos o coelho branco que é retirado da cartola. A diferença entre nós e o coelho branco é apenas o fato de o coelho não saber que participa num truque de magia. Conosco passa-se de modo diferente. Sentimos que tomamos parte em algo misterioso, e gostaríamos de esclarecer de que modo tudo está relacionado.

Do livro O Mundo de Sofia, do escritor e filósofo Jostein Gaarder.
*

sábado, 29 de outubro de 2011

Bioética

Bioética é o estudo transdisciplinar entre biologia, medicina, filosofia (ética) e direito (biodireito) que investiga as condições necessárias para uma administração responsável da vida humana, animal e responsabilidade ambiental. Considera, portanto, questões onde não existe consenso moral como a fertilização in vitro, o aborto, a clonagem, a eutanásia, os transgênicos e as pesquisas com células tronco, bem como a responsabilidade moral de cientistas em suas pesquisas e suas aplicações. (Wikipédia)
A ciência tem desenvolvido inovações e tecnologias com uma velocidade surpreendente. A última metade do século XX conheceu o avanço e a mesclagem das ciências biológicas com as biotecnologias dando origem às biotecnociências. As sociedades humanas se maravilham e se espantam num misto de euforia e medo. Por isso, a intervenção na natureza deve ser pensada, planejada para que a segurança e o bem-estar comum sejam garantidos. A Bioética é um ramo da ética, embora reivindique sua autonomia, enquanto disciplina que trata da investigação e problematização específica das práticas médicas, das ciências biológicas e das relações da humanidade com o meio ambiente. Dentro desta perspectiva a bioética aborda a questão da responsabilidade e autoridade do médico frente ao direito e dever do paciente, bem como das intervenções e limites aceitáveis de certas experiências, tais como o aborto induzido; inseminação artificial e esterilização; escolha e pré-determinação do sexo: a eutanásia; quebras de patentes; projetos de pesquisa sobre genética (células tronco, transgênicos, clonagem humana e de animais); biopirataria, uso de animais e seres humanos como cobaias, etc... Não ignorando que a cada nova descoberta e inovação podemos ter um novo problema para a bioética. Se por um lado o conhecimento científico passou a ocupar um lugar preponderante no mundo moderno, desde as tecnologias utilizadas dentro das casas, nas empresas e indústrias, por outro lado, cada vez mais se desenvolve a preocupação latente com os resultados benéficos ou perigos da ciência. Questiona-se qual é o preço que a sociedade tem que pagar por certos “avanços” tecnológicos, e as implicações éticas e morais de seus resultados. A Bioética é, hoje, um assunto que perpassa todos os níveis da vida e nos setores mais distintos de nossa sociedade, tais como as áreas da saúde, da política, da sociologia, da economia, da ecologia, só para lembrar as que estão mais em evidência. Por isso, faz parte do nosso dia-a-dia, e a sua reflexão começa a interferir sempre mais em nossas vidas. A Bioética, quer seja considerada ciência, disciplina ou movimento social, para nós é antes de tudo uma dinâmica reflexiva que procura resgatar a dignidade da pessoa humana e sua qualidade de vida desde o nível “micro” até o nível “macro”. (BARCHIFONTAINE, 2001. p. 09) 

Filosofia – Curitiba: SEED-PR, 2006.
*

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A Leveza e o Peso

O eterno retorno é uma idéia misteriosa, e Nietzsche, com essa idéia, colocou muitos filósofos em dificuldade: pensar que um dia tudo vai se repetir tal como foi vivido e que essa repetição ainda vai se repetir indefinidamente! O que significa esse mito insensato?
O mito do eterno retorno nos diz, por negação, que a vida que vai desaparecer de uma vez por todas, e que não mais voltará, é semelhante a uma sombra, que ela é sem peso, que está morta desde hoje, e que, por mais atroz, mais bela, mais esplêndida que seja, essa beleza, esse horror, esse esplendor, não têm o menor sentido. Essa vida não deve ser considerada mais importante do que uma guerra entre dois reinos africanos do século XIV, que não alterou em nada a face do mundo, embora trezentos mil negros tenham encontrado nela a morte através de indescritíveis suplícios.
Será que essa guerra entre dois reinos africanos do século XIV se modifica pelo fato de se repetir um número incalculável de vezes no eterno retorno?
Sim, certamente: ela se tornará um bloco que se forma e perdura, e sua tolice será sem remissão.
Se a Revolução Francesa devesse repetir-se eternamente, a historiografia francesa se mostraria menos orgulhosa de Robespierre. Mas, como ela trata de uma coisa que não voltará, os anos sangrentos não são mais que palavras, teorias, discussões são mais leves que uma pluma, já não provocam medo. Existe uma enorme diferença entre um Robespierre que não aparece senão uma vez na história e um Robespierre que voltasse eternamente cortando a cabeça dos franceses.
Digamos, portanto, que a idéia do eterno retorno designa uma perspectiva na qual as coisas não parecem ser como nós as conhecemos: elas nos aparecem sem a circunstância atenuante de sua fugacidade.
Essa circunstância atenuante nos impede, com efeito, de pronunciar qualquer veredicto. Como condenar o que é efêmero? As nuvens alaranjadas do crepúsculo douram todas as coisas com o encanto da nostalgia, inclusive a guilhotina.
Não há muito tempo, eu mesmo fui dominado por este fato: parecia-me incrível, mas, folheando um livro sobre Hitler, fiquei emocionado diante de algumas de suas fotos; elas me lembravam o tempo de minha infância; eu a vivi durante a guerra; diversos membros de minha família foram mortos nos campos de concentração nazistas; mas o que era a morte deles diante dessa fotografia de Hitler que me lembrava um tempo passado da minha vida, um tempo que não voltaria mais?
Essa reconciliação com Hitler trai a perversão moral inerente a um mundo fundado essencialmente sobre a inexistência do retorno, pois nesse mundo tudo é perdoado por antecipação e tudo é, portanto, cinicamente perdido.

Se cada segundo de nossa vida deve se repetir um número infinito de vezes, estamos pregados na eternidade como Cristo na cruz. Que idéia atroz! No mundo do eterno retorno, cada gesto carrega o peso de uma insustentável leveza. Isso é o que fazia com que Nietzsche dissesse que a idéia do eterno retorno é o mais pesado dos fardos (das schwerste Gewicht).
Se o eterno retorno é o mais pesado dos fardos, nossas vidas, sobre esse pano de fundo, podem aparecer em toda a sua esplêndida leveza.
Mas, na verdade, será atroz o peso e bela a leveza?
O mais pesado fardo nos esmaga, nos faz dobrar sob ele, nos esmaga contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo masculino. O fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da mais intensa realização vital. Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira.
Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes.
Então, o que escolher? O peso ou a leveza?
Foi a pergunta que Parmênides fez a si mesmo nó século VI antes de Cristo. Segundo ele, o universo está dividido em duplas de contrários: a luz e a obscuridade, o grosso e o fino, o quente e o frio, o ser e o não-ser. Ele considerava que um dos pólos da contradição é positivo (o claro, o quente, o fino, o ser), o outro, negativo. Essa divisão em pólos positivo e negativo pode nos parecer de uma facilidade pueril. Menos em um dos casos: o que é positivo, o peso ou a leveza?
Parmênides respondia: o leve é positivo, o pesado negativo. Teria ou não razão? Essa é a questão. Uma coisa é certa. A contradição pesado-leve é a mais misteriosa e a mais ambígua de todas as contradições.

Milan Kundera
A Insustentável Leveza do Ser. Capítulos 1 e 2, primeira parte.
Tradução: Tereza B. Carvalho da Fonseca
*

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Jean-Paul Sartre e a Liberdade

Filósofo francês, nascido em Paris, em 1905, falecido em 1980. Sartre vivenciou e pôde refletir os acontecimentos mais marcantes do século XX.
Para Sartre o homem é liberdade. Como entender essa afirmação? Entende-se que não há certezas e nem modelos que possam servir de referência, cabe ao homem inventar o próprio homem e jamais esquecer-se que é de sua responsabilidade o resultado de sua invenção. Pelo fato de ser livre é o homem quem faz suas escolhas e que ao fazê-las, torna-se responsável por elas. É por isso que:
“O existencialista declara frequentemente que o homem é angústia. Tal afirmação significa o seguinte: o homem que se engaja e que se dá conta de que ele não é apenas aquele que escolheu ser, mas também um legislador que escolhe simultaneamente a si mesmo e a humanidade inteira, não consegue escapar ao sentimento de sua total e profunda responsabilidade.” (SARTRE, 1987, p. 7)
O conceito angústia está relacionado ao binômio: liberdade – responsabilidade. Faço as escolhas e ao fazê-las sou eu, exclusivamente eu, o único responsável por elas. É a angústia o sentimento de cada homem diante do peso de sua responsabilidade, por não ser apenas por si mesmo, mas por todas as conseqüências das escolhas feitas. Com a angústia há um outro sentimento que é fruto também da liberdade: o desamparo.
O desamparo se dá pelo fato de o homem saber-se só. É por isso que Sartre diz que “(...) o homem está condenado a ser livre”. Pois não há nenhuma certeza, não há nenhuma segurança e tudo o que fizer é de sua irrestrita responsabilidade. De fato o homem, sem apoio e sem ajuda, está condenado a “(...) inventar o homem a cada instante”.
Diante da constatação de que “(...) somos nós mesmos que escolhemos nosso ser”. Surge o outro sentimento: o desespero.
O que marca o desespero é o fato de que:
“Só podemos contar com o que depende da nossa vontade ou com o conjunto de probabilidades que tornam a nossa ação possível. Quando se quer alguma coisa, há sempre elementos prováveis. Posso contar com a vinda de um amigo. Esse amigo vem de trem ou de ônibus; sua vinda pressupõe que o ônibus chegue na hora marcada e que o trem não descarrilhará. Permaneço no reino das possibilidades; porém, trata-se de contar com os possíveis apenas na medida exata em que nossa ação comporta o conjunto desses possíveis. A partir do momento em que as possibilidades que estou considerando não estão diretamente envolvidas em minha ação, é preferível desinteressar-me delas, pois nenhum Deus, nenhum desígnio poderá adequar o mundo e seus possíveis a minha vontade. [...] Não posso, porém, contar com os homens que não conheço, fundamentando-me na bondade humana ou no interesse do homem pelo bem-estar da sociedade, já que o homem é livre e que não existe natureza humana na qual possa me apoiar.” (SARTRE, 1987, p. 12)
Pelo fato de a realidade ir além, extrapolar os domínios de minha vontade e de minhas ações, o reino das possibilidades passa a evidenciar que minha ação deverá ocorrer sem qualquer esperança. O desespero é, portanto, o sentimento de que não há certezas e verdades prontas, é o sentimento de insegurança que impregna a vontade e o agir, pelo fato de ambos serem confrontados com o reino das possibilidades e apontarem para o limite à liberdade de cada indivíduo.
*

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Filosofia política - parte II

O preconceito contra a política

No instigante ensaio A Invenção da Política, o filósofo contemporâneo Francis Wolff argumenta que, para compreender a essência universal da política e sua ligação com o ser humano em geral, é preciso romper com certas imagens particulares da política.
Quais seriam essas imagens? Ora, são as questões cotidianas que estão na base do nosso entendimento mais imediato da política. Mas, por que romper com elas? Por que evitar essas questões particulares ou específicas? Elas não são relevantes?
É claro que elas são muito importantes e devem ser profundamente discutidas e elucidadas, porém, num segundo momento. Se enfrentarmos essas questões, antes de tentarmos responder aquelas que as antecedem, elas não serão bem respondidas, além do que, poderão nos distanciar das questões fundamentais – a saber: O que é a política?
Qual é a sua essência? Por que ela existe em todas as culturas e civilizações, ainda que de maneiras diferentes? Ética e política já estiveram juntas algum dia?
Na busca da resposta, Wolff nos desafia: – é preciso um primeiro esforço no sentido de “imaginar o que aconteceria sem a política.” (WOLFF, 2003, p. 27)

Ainda segundo Wolff, a vida humana pode acontecer a partir das três possibilidades que se seguem:
1) Em comunidade, organizada pela existência de uma instância externa à sociedade (o Estado, por exemplo), cuja função seria a efetivação e a manutenção da unidade da sociedade. A política, neste caso, seria coercitiva e o poder estaria localizado fora da sociedade, mas agindo sobre ela.
2) Isolada, como a maioria dos animais, talvez em pequenos grupos ou famílias. Essa condição seria praticamente impossível.
3) Em comunidade, mas sem a necessidade da política. A vida transcorreria em harmonia, sem diferenças, sem conflitos, nem confrontos, sem a necessidade de leis ou limites.

Vamos analisar as proposições de Wolff. A primeira é indesejável, afinal, quem gosta de viver sob coerção? A segunda possibilidade, que é a idéia de viver isoladamente, transita entre o romântico e o patético e é anacrônica. A terceira, que propõe a vida sem política, é uma utopia sem sustentação material. Sendo assim, o que nos resta?
Sabemos que vivemos juntos, em sociedade, e não isoladamente. Sabemos que temos diferenças e que os confrontos e conflitos fazem parte da vida em sociedade. Sabemos que existem profundas contradições sociais. Portanto, seja através do ideal de autogoverno ou de uma instância externa à sociedade e, portanto, coercitiva (o Estado), a política é uma dimensão necessária e constitutiva da existência humana; assim, onde houver uma sociedade, haverá política.
Resta saber então: Que tipo de política temos? Que tipo de política queremos? Que política podemos construir?
*

Filosofia política - parte I

Segundo o Wikipédia, Filosofia política é o campo da investigação filosófica que se ocupa da política e das relações humanas consideradas em seu sentido coletivo.
Normalmente, a Filosofia Política trata sobretudo das idéias e dos conceitos políticos, diferenciando-se da Ciência Política que faz abordagens mais relacionadas às estruturas e aos processos dos nossos sistemas políticos.

É comum que numa conversa sobre política se chegue, rapidamente, à conclusão de que ela nada tem a ver com a ética, em outras palavras, que o poder político e suas realizações não se conduzem por princípios e valores voltados aos interesses coletivos, mas sim, por interesses utilitários de ordem individual ou corporativa, do tipo: “Mas... o que eu ganho votando em fulano?”, ou “Votem em mim e eu lhes darei privilégios...”.
Essa é a percepção que o senso comum da sociedade tem da política, e seria profundamente ingênuo afirmar que a política não passa por esses descaminhos. No entanto, não é menos ingênuo e preocupante o fato de aceitarmos tão rapidamente essa perspectiva exclusivamente negativa da política como algo óbvio, natural e inelutável.
Em geral, as conversas sobre política enveredam por caminhos que podem parecer interessantes, mas que no fundo são pouco produtivos e frustrantes. Isso se dá porque, estimulados pelos acontecimentos e pelas notícias da imprensa, fazemos questionamentos e afirmações sobre a honestidade ou desonestidade dos políticos; sobre seus salários; negociações supostamente ilícitas; sobre os partidos; tendências; alianças questionáveis; sobre quem será candidato; sobre um projeto que está tramitando e suas possíveis conseqüências. Quase sempre estamos reproduzindo, diga-se de passagem, com poucos ou insuficientes dados e questionamentos, informações veiculadas pelos jornais, pelas rádios ou telejornais, e mesmo aquelas que circulam pela internet.
Os regimes democráticos são exceção no espaço e no tempo. Este fato fortalece o argumento de que a natureza humana é individualista e egoísta. E, portanto, democracia e república seriam regimes inatingíveis em termos práticos, porque exigem que os interesses públicos estejam acima dos interesses privados. Logo, democracia e república só podem ser pensadas e efetivadas a partir de uma educação intensiva e extensiva capaz de superar o individualismo egoísta em prol da cidadania ativa.
Temos que reconhecer, porém, que a modernidade trouxe conquistas fundamentais como a valorização da subjetividade e da liberdade individual. Contudo, ainda não conseguimos equacionar a liberdade individual com a necessidade do exercício da cidadania e da constituição de uma esfera pública que viabilize a coexistência entre ética e política.
Vivemos uma era onde os direitos humanos e políticos conquistados não garantem os direitos sociais mais elementares para a grande maioria das pessoas.
No plano das relações internacionais, os recentes acontecimentos, como guerras de invasão, ações terroristas estatais ou não, desrespeito aos direitos humanos, nos demandam uma série de questões sobre o sentido do poder, da soberania, da democracia, da liberdade e da tolerância.
*

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Ironia e Filosofia

Observando o mundo à nossa volta, vemos que todos somos prisioneiros: os filhos abastados vivem atrás das grades dos condomínios, cercados de seguranças; os filhos dos pobres são prisioneiros da violência nas ruas, nos sinaleiros, onde vendem bugigangas. E todos ouvem falar que a Sociedade Moderna é aquela que melhor realizou o ideal de liberdade defendido há duzentos e dezesseis anos pela Revolução Francesa. Como se pode entender neste contexto a afirmação da liberdade? Não é irônico que aqueles que se dizem livres por ter atingido o ideal de liberdade proposto pela sociedade capitalista sejam também prisioneiros do medo e da violência? O que podemos aprender com esta situação?
Que relação existe entre a realidade descrita acima e o pensamento filosófico? A filosofia nasceu como uma forma de pensar específica, como interrogação sobre o próprio homem como ser no mundo, quando o homem passou a confrontar-se com as entidades míticas e religiosas e procurou uma explicação racional para a sua existência e a existência das coisas. De uma explicação mítica, que entendia que o homem e todas as coisas tinham sido gerados por deuses, o homem elaborou novas explicações racionais a partir da reflexão sobre si e sobre o mundo. Para tanto, o homem criou novos métodos de abordagem da realidade, métodos que possibilitavam identificar relações causais, princípios explicativos existentes nas próprias coisas e que, depois de identificados, permitiam descobrir uma certa regularidade nos fenômenos naturais e a criação de instrumentos de medida e de previsão dos acontecimentos. A filosofia nasceu junto com as ciências, buscou referencial na matemática, na astronomia e, aos poucos, definiu seus limites e suas características próprias.

O filósofo grego Sócrates, por meio de sua atividade, mostra-nos que o exercício do filosofar é, essencialmente, o exercício do questionamento, da interrogação sobre o sentido do homem e do mundo. A partir dessa atividade Sócrates enfrentou problemas, foi julgado e condenado à morte. Na história, a filosofia questionadora incomoda o poder instituído, porque põe em discussão relações e situações que são tidas como verdadeiras.
Sócrates convida ao filosofar como um processo metódico de elaboração de novos saberes.
Ao afirmar que também ele nada sabia, queria apenas dizer que um novo caminho para chegar-se a uma nova verdade seria indispensável. Se ele soubesse esta nova verdade, ele não diria que nada sabia, pois apenas sabia o caminho, isto é, o começo do conhecimento e ele queria saber mais.
As perguntas de Sócrates não visavam confundir as pessoas e ridicularizar seu conhecimento das coisas, mas, motivá-las a alcançar um conhecimento mais profundo, não só de si próprias, mas também dos outros, dos objetos e do mundo que as rodeava, provocando nelas novas idéias.

A filosofia procura a verdade para além das aparências.
**

A coruja é o símbolo da filosofia, pois consegue enxergar o mundo mesmo nas noites mais escuras. A constituição física de seu pescoço permite que ela veja tudo a sua volta. Essa seria a pretensão da filosofia, por meio da razão poder ver racionalmente e entender o mundo mesmo nos seus momentos mais obscuros. E ainda, procurar enxergá-lo sob os mais diversos ângulos possíveis.
*

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Conhecimento: da caverna para a luz

Como se elabora o conhecimento crítico em Platão? A filosofia é a única forma de buscar por esse conhecimento? Para Platão, sim, uma vez que seja possível, com a metodologia apropriada, superar o nível das opiniões. De onde vem o desejo e a atração pelo mundo inteligível que possuem alguns homens, se tecnicamente nunca tiveram contato com o mesmo? Como explicar a vontade do prisioneiro que não conhece o lado de fora da caverna de sair dela?
O amor que deseja a sabedoria é a própria filosofia (literalmente amor ao saber). Gradualmente, à medida que o homem conhece, o próprio conhecimento desperta o desejo contínuo de saber. Após deixar a caverna este humano sofre a cegueira, pois não tivera antes contato com tal luz, e o abandono de seu antigo estado causa medo e dor, mas ele é convidado a continuar sua ascese superando o mundo sensível, apreendendo os movimentos do sol, as estações e suas conseqüências. Desta forma, a conquista da sabedoria e da felicidade carece de incansáveis esforços na aprendizagem das ciências e das artes. É um processo contínuo de auto-superação. Ele se habitua aos objetos reais do mundo fora da caverna, mas a ascensão é apenas um momento de depuração pessoal. A filosofia na tradição platônica não tende a algum tipo de ostracismo intelectual, depois da contemplação da luz é necessário o retorno para dentro da caverna para despertar os outros para este conhecimento, isto é, o filósofo para Platão, tem um compromisso social e político. Podemos perceber neste momento a preocupação com a “morada comum”. Platão tentou concretizar sua idéia de nova sociedade no final de sua vida atuando politicamente.
Conhecer para Platão é o sumo bem, e o bem está na organização da cidade de acordo com este conhecimento e não de acordo com as opiniões. Podemos comparar o ideal de homem que habita o interior da caverna, com o senso comum, ambos estão apegados às impressões sensíveis e não se permitem enxergar outras realidades senão as impostas pelas circunstâncias. Na pólis grega, os homens que se negavam a participar da vida pública, eram chamados de idiotés, porque se deixavam representar por outrem. Ao negar a própria vontade se submetiam e deixavam a responsabilidade de decidir o destino da cidade para os outros.

Interpretação da Alegoria da Caverna, com ilustração de Eloi Correa dos Santos e Edevaldo de Oliveira Gonçalves.

Clique na figura para ampliar.
*

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Mito e Filosofia

A questão 'Mito e Filosofia' trata do problema da ordem e da desordem no mundo. O homem, ao procurar a ordem do mundo, cria tanto o mito como a filosofia. Muitos povos da Antigüidade experimentaram o mito, que é um pensamento por imagens. Os gregos também fizeram a experiência de ordenar o mundo por meio do Mito. Estes perceberam que o Mito era um jeito de ordenar o mundo. A experiência política grega, ao longo dos anos, trouxe a possibilidade do pensamento como logos (razão), pois a vida na pólis impôs exigências que o mito já não satisfazia.
O nascimento da filosofia pode ser entendido como o surgimento de uma nova ordem do pensamento, complementar ao mito, que era a forma de pensar dos gregos. Uma visão de mundo que se formou de um conjunto de narrativas contadas de geração a geração por séculos e que transmitiam aos jovens a experiência dos anciãos. Como narrativas, os mitos falavam de deuses e heróis de outros tempos e, dessa forma, misturavam a sabedoria e os procedimentos práticos do trabalho e da vida com a religião e as crenças mais antigas.
Nesse contexto, os mitos eram um modo de pensamento essencial à vida da comunidade, ao universo pleno de riquezas e complexidades que constituía a sua experiência. Enquanto narrativa oral, o mito era um modo de entender o mundo que foi sendo construído a cada nova narração.
As crenças que eles transmitiam ajudavam a comunidade a criar uma base de compreensão da realidade e um solo firme de certezas. Os mitos apresentavam uma religião politeísta, sem doutrina revelada, sem teoria escrita, isto é, um sistema religioso, sem corpo sacerdotal e sem livro sagrado, apenas concentrada na tradição oral, é isso que se entende por teogonia. Vale salientar que essas narrativas foram sistematizadas no século IX por Homero e por Hesíodo no século VII a.C.
Ao aliar crenças, religião, trabalho, poesia, os mitos traduziam o modo que o grego encontrava para expressar sua integração ao cosmos e à vida coletiva. Os gregos a partir do século V a.C. viveram uma experiência social que modificou a cotidianidade grega: a vivência do espaço público e da cidadania. A cidade constituía-se da união de seus membros para os quais tudo era comum. O sentimento que ligava os cidadãos entre si era a amizade, resultado de uma vida compartilhada.
As narrativas míticas tentavam responder as questões fundamentais, como: a origem de todas as coisas, a condição do homem e suas relações com a natureza, com o outro e com o mundo, enfim, a vida e a morte, questões que a filosofia desenvolveu no decorrer de sua história. Mas aqui podemos formular outra questão: a filosofia nasceu da superação dos mitos, mas foi uma superação gradual ou um rompimento súbito? Para tanto, temos que primeiramente identificar algumas diferenças básicas entre os mitos e a filosofia.
O Mito (Mythos) é narrado pelo poeta-rapsodo, que escolhido pelos deuses transmitia o testemunho incontestável sobre a origem de todas as coisas, oriundas da relação sexual entre os deuses, gerando assim, tudo que existe e que existiu. Os mitos também narram o duelo entre as forças divinas que interferiam diretamente na vida dos homens, em suas guerras e no seu dia-a-dia, bem como explicava a origem dos castigos e dos males do mundo. Ou seja, a narrativa mítica é uma genealogia da origem das coisas a partir de lutas e alianças entre as forças que regem o universo.
A filosofia, por outro lado, trata de problematizar o porquê das coisas de maneira universal, isto é, na sua totalidade. Buscando estruturar explicações para a origem de tudo nos elementos naturais e primordiais (água, fogo, terra e ar) por meio de combinações e movimentos.
Enquanto o mito está no campo do fantástico e do maravilhoso, a filosofia não admite contradição, exige lógica e coerência racional e a autoridade destes conceitos não advém do narrador como no mito, mas da razão humana, natural em todos os homens.
O pensamento mítico é por natureza uma explicação da realidade que não necessita de metodologia e rigor, enquanto que o logos caracteriza-se pela tentativa de dar resposta a esta mesma realidade, a partir de conceitos racionais.
Num primeiro momento a filosofia racionalizou o mito, em seguida despojou-se, das figuras alegóricas que representavam a origem das coisas, substituindo gradualmente às divindades que representavam os elementos da natureza separando a mesma de sua roupagem mítica, tornando-a objeto de discussão racional.

Fonte: Filosofia/vários autores. – Curitiba: SEED-PR, 2006. – 336 p.
*

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Reflexões sobre ética

A ética é o estudo dos fundamentos da ação humana. Aristóteles e Sêneca, dois autores do mundo antigo, de momentos históricos distintos e com preocupação semelhante, buscam apresentar um referencial reflexivo a seus contemporâneos para que possam atingir a excelência humana, ou seja, serem virtuosos, vivendo de forma virtuosa e conseguirem atingir a finalidade da vida humana: a felicidade.
Porém, a busca pela felicidade passa por escolhas que devem ser guiadas pela razão. É por isso que Aristóteles insiste na idéia de buscar a mediania, ou seja, o equilíbrio nas escolhas diante das ações e emoções como critério para que o homem possa ser feliz. Sêneca, com preocupação semelhante, orienta o que o homem deve fazer para fortalecer sua alma e com isso não se obstinar diante das circunstâncias.
Um dos grandes problemas enfrentados pela ética é o da relação entre o sujeito e a norma. Essa relação é eminentemente tensa e conflituosa, uma vez que todo estabelecimento de uma norma implica no cerceamento da liberdade.
A ética possibilita a análise crítica para a atribuição de valores. Ela pode ser ao mesmo tempo especulativa e normativa, crítica e propositiva da busca da autonomia. Por isso, a ética defende a existência dos valores sólidos e do sujeito que age a partir de valores, com consciência, responsabilidade e liberdade, no sentido da luta contra toda e qualquer forma de violência.
Com esse enfoque, discute-se o tema amizade em Aristóteles por se tratar de um sentimento desenvolvido pelos seres humanos, que pelo fato de serem animais políticos, ou seja, viverem em sociedade, este tema torna-se importante, pois perpassa todas as relações sociais. É por isso que Aristóteles demonstra que há várias espécies de amizade e cada uma delas está diretamente relacionada com o que os homens buscam na relação que estabelecem.
Assim, tão importante quanto à vida virtuosa é a consciência das relações amistosas que o homem estabelece e, sobretudo, se as mesmas estão pautadas em princípios e valores que contribuem ou não para a realização do bem comum. Disso resulta a exigência do tema amizade como reflexão ética.
A abordagem de Sartre da liberdade como valor e responsabilidade no sentido de possibilitar a reflexão diante de problemas contemporâneos aos homens hodiernos, entendendo que os valores são construídos e, portanto, não há valores e ou modelos pré-definidos, mas sim que ao agir do homem tem o poder de estabelecer os valores diante dos quais terá responsabilidade.
*

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Justiça platônica

Estas são algumas anotações sobre Justiça, captadas no livro A República do filósofo grego Platão.

No livro 3 de A República é visto que a base de sustentação do Estado é o estabelecimento da justiça entre as pessoas. Sem relações de justiça não há a mínima possibilidade de haver harmonia e estruturação do Estado em si mesmo. É a justiça que garante a participação de todos no processo social e político da cidade.
Sobre a participação de todos no bem comum é necessário frisar que a concepção platônica não fere de modo algum a individualidade dos membros da sociedade, pois é em vista do bem de todos que cada um deve colocar o seu interesse pessoal. Se o indivíduo não renuncia a parte de sua individualidade, a sociedade pode deixar simplesmente de existir. A luta pelo bem comum não é a luta contra o bem individual, já que ela permite que o todo prevaleça e, assim sendo, que o individual também tenha seu espaço preservado.
A justiça diz respeito a uma atividade interna do homem, aquilo que ele verdadeiramente é. A justiça não deve permitir que qualquer uma das partes internas da alma se dedique a tarefas alheias nem que interfiram umas das outras. A justiça consiste em dispor, de acordo com a natureza, os elementos da alma, para serem dominados ou dominar uns aos outros. A injustiça é resultado de uma ação conduzida pela ignorância, que leva à ingerência, à sedição dos elementos da alma, fazendo os elementos da alma governar uns aos outros não de acordo com a natureza. .
A justiça não consiste em uma convenção estabelecida como lei pelos homens, diante da lei natural, para defender os fracos contra os mais fortes. Para Platão a Justiça na cidade e no indivíduo é a mesma, ou seja, é a unidade da ordem. A cidade é um grande todo integrado por indivíduos, famílias e classes sociais com atividades e interesses muito distintos. Não seria possível uma entidade social se entre suas diversas partes não reinasse uma ordem rigorosa que reduzisse a diversidade à unidade, assinalando a cada parte o lugar e a função que lhe correspondem dentro da totalidade. É a mesma ordem que deve reinar dentro de cada um, pois a justiça é uma virtude da alma que introduz unidade dentro do composto humano.
O posicionamento político de Platão baseou-se num propósito de restabelecimento de novos patamares para uma sociedade dispersa e sujeita ao bel-prazer dos que detêm o poder. Com ele, a sociedade pode vislumbrar novas perspectivas através da participação de todos num ideal comum, isto porque, de nada adianta ter um rei filósofo a administrar o Estado se os cidadãos não se engajam no mesmo ideal de justiça e Bem comum.
Para que haja justiça em todo o contexto da cidade, cada cidadão deve desenvolve-la dentro de si. O homem deve trabalhar a sua inteligência voltado para esse objetivo. Para isso, tem que elevar o seu entendimento acima do senso comum, compreendendo que há uma realidade superior à que enxergamos com os nossos sentidos materiais. Se o indivíduo só der valor àquilo que existe no mundo sensível, permanecerá na mediocridade humana e apenas viverá de acordo com as convenções do meio em que vive, achando, inclusive, a injustiça uma coisa normal, tomando-a muitas vezes como justiça. Mas, a verdadeira justiça é a que existe no mundo das idéias, onde tudo é perfeito e eterno, e, é essa justiça que deve ser copiada para que haja uma “República” perfeita. Para isso, o indivíduo precisa transcender à sua realidade e vislumbrar essa verdade.
*

domingo, 2 de maio de 2010

O Pragmatismo e Nietzsche

O pragmatismo, mesmo sendo conhecido como uma corrente de pensamento tipicamente norte-americana teve simpatizantes tipicamente europeus. Nietzsche é um dos exemplos que foi reconhecido por muitos como tendo uma postura pragmática no campo da teoria do conhecimento. A sua postura foi pragmática nas suas reflexões filosóficas no que concerne à busca da Verdade, essa verdade com ‘V’ maiúsculo tão almejada pelos filósofos alemães a exemplo de Kant e Heidegger.
Richard Rorty declarou que “Como um bom americano, e como alguém que se pensa como um pragmatista, é claro que sou inclinado a ver o pragmatismo como tendo duplicado todas as melhores coisas de Nietzsche...”. Duplicar nessa assertiva não significa simplesmente copiar, e sim dar continuidade, aumentando o alcance da das suas reflexões e principalmente analisar mais amplamente as suas conseqüências, haja visto anteriormente, que se as idéias não tiverem conseqüências, no pragmatismo, também não têm utilidade.
Nietzsche se situa em uma posição onde se perdeu toda a ilusão sobre a chance de estabelecer verdades definitivas sobre as coisas. É essa consciência que estará na origem do tipo de análise filosófica dele. Se não há mais um “mundo-verdade”, então o “espírito livre” saberá que existem apenas diferentes “interpretações”. E sua tarefa será interpretar as interpretações. Se o “cristianismo” não é mais a “verdade”, mas “apenas uma perspectiva entre outras”, é como tal que ele deve ser analisado.
A finalidade da vida humana não é tentar encarnar em coisas maiores do que o meramente humano. Ele criticou duramente essa idéia declarando que todas as crenças humanas são erros e mentiras. O conhecimento não possui um fim em si mesmo. Isso é uma concordância notória entre Nietzsche e os pragmatistas, pois a formação de crenças está a serviço dos desejos humanos. Sendo “crenças” um “hábito de ação”, estas são simplesmente uma forma de conseguirmos o que queremos.
Rorty afirma que “O filosofar pragmatista começa com a sugestão de Kant de que a verdade empírica é uma questão de coerência entre nossas representações...”. Nietzsche e os pragmatistas vão mais adiante com a negação da diferença entre a coisa-em-sim e o fenômeno, ou seja, entre o empírico e o transcendental. Eles atuam com um determinado efeito sobre o existir. Eles operam com um postulado prático que tem por objetivo levar a uma aprovação integral da existência.
*

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Algumas questões de filosofia moral

Considerações sobre o pensamento de Hannah Arendt sobre filosofia moral.

Para tecer suas reflexões, Hannah Arendt se utiliza de um personagem bastante conhecido, Churchill, e de seus atos, como referencia para estabelecer uma linha de pensamento: as coisas que tendem a grandeza, como nobreza, dignidade e firmeza, permanecem na sua essência iguais através dos séculos.
No entanto, logo a seguir ela parece contrariar esse pensamento dizendo que o padrão de moralidade foi trocado por um outro conjunto de costumes e condutas. Ela diz que havia algo errado com o pensamento da moral como algo previamente estabelecido, que o único novo princípio moral veio a ser, não a afirmação de “novos valores”, mas a negação da moralidade.
Ela cita como exemplo desta mudança de comportamento moral o que ocorreu na Rússia de Stalin e na Alemanha de Hitler. Mas acredita ser, dos dois, o nazismo na Alemanha o exemplo mais contundente da quebra de moralidade; e que essa mudança ocorreu duas vezes: na entrada e na saída de Hitler.
Arendt pondera que a questão moral permaneceu por um tempo latente devido ao horror que se apoderou das pessoas, “um horror mudo no qual não se aprende nada além daquilo que pode ser diretamente comunicado”. Entretanto, segundo ela, esta questão moral vinha se reavivando nos últimos anos (esta conferência foi realizada em 1965). E não foi um, mas vários fatores que influenciaram neste reavivamento. Entre estes fatores está a necessidade de julgar os criminosos de guerra, que levou a consideração destes assuntos do ponto de vista individual e não do ponto de vista de sistema e organizações, o que leva a culpa e responsabilidades pessoais e a consideração destes assuntos a partir de um ponto de vista moral.
Aquele horror mudo que ela citou anteriormente se desfaz em frente aos tribunais porque as pessoas passam a lidar com um discurso ordenado onde não se trata de criminosos comuns, mas de pessoas que agiram de acordo com um regime que lhes foi imposto (Arendt não se atém àqueles que agiram criminosamente porque sempre quiseram agir assim e o regime permitiu).
Arendt afirma que, apesar destas questões morais serem trazidas a tona, eram, de certa forma, desviadas do foco central, devido ao fato de que as questões morais envolvidas eram vistas e discutidas de forma particularizada e não geral.
Ela comenta casos em que pessoas (inclusive ela) escreveram e julgaram outras pessoas que cometeram erros, e nestes casos em vez do público e dos leitores se voltarem contra aqueles que haviam cometido o erro, ou contra uma instituição ou sociedade em geral, se voltavam contra aqueles que julgaram o ato como errado.
A partir destes pensamentos, Arendt chega a algumas conclusões. A primeira delas é que ninguém pode sustentar que a conduta moral seja algo evidente, mas pode-se dizer que o conhecimento moral, o conhecimento do que é certo ou errado é evidente; desta forma, ela separa o conhecimento da conduta. Isto se deve ao fato de as inclinações e tentações estarem arraigadas na natureza humana, embora não na razão humana.
Deste ponto em diante Hannah Arendt se utiliza dos pensamentos de Kant para delinear o pensamento de que o homem não faz o mal pelo mal. A conduta moral parece, para ela, depender da relação do homem consigo mesmo. Visto que o homem tem conhecimento do que é certo e do que é errado e que ninguém quer ser mau, ao fazer algo errado o homem está indo em contradição consigo mesmo. Desta forma, não fazer o mal não está relacionado com o respeito pelo outro, e sim, com o auto-respeito.
A segunda conclusão é de que a conduta moral nada tem a ver com obediência a qualquer lei que é dada externamente. Se o homem se vê obrigado a obedecer e a fazer algo, isto significa que ele está obedecendo a sua própria razão e que a lei que ele dá a si mesmo é válida para todas as criaturas racionais. Uma vez que, se ele não quer se contradizer age de maneira que a máxima de sua ação possa se tornar uma lei universal.
Arendt diz que se a tradição da filosofia moral pode concordar em algo, este algo é que é impossível ao homem fazer coisas más deliberadamente, querer o mal pelo mal. Diz também que todo mal radical tem origem, no fundo do desespero. Conclui-se daí que o mal verdadeiro é aquele que produz nas pessoas um horror, o mesmo horror que ela havia comentado antes, que ocorreu na época do nazismo e da última guerra. Um horror mudo devido à existência de homens sobre os quais, segundo ela, tudo que se pode dizer é que seria melhor que não tivessem nascido.
*

quarta-feira, 24 de março de 2010

Pragmatismo... o que é isso? - parte II


John Dewey (foto) concebia o papel do filósofo como engajado intimamente na crítica social e não só participando em exercícios abstratos de contemplação que permanecem dissociados da moralidade prática. Encontrava-se particularmente preocupado com o desenvolvimento de uma comunidade democrática num país que parecia encontrar-se em risco de perder o seu compasso moral e espiritual. Para Dewey, a democracia genuína não se referia simplesmente a agências e rituais governamentais, mas, pelo contrário, prendia-se com o processo dinâmico de uma participação diária ativa e igual que incluía, não apenas o aparelho político formal, como também a cultura e a economia, em essência, todas as esferas da vida. O pragmatismo que norteou todo o seu trabalho. Dewey acreditava que toda a idéia, valor e instituição social originavam-se a partir das circunstâncias práticas da vida humana. Não eram nem criações divinas, nem tão pouco refletiam determinado tipo de ideal. A verdade não representava uma idéia à espera de ser descoberta; só poderia ser concretizada na prática. Todas a instituição e toda a crença, analisadas dentro do seu contexto específico, deveriam ser submetidas a um teste para estabelecer a sua contribuição, no sentido mais amplo para o bem público e individual.
Os pragmatistas contestam a argumentação do XVII dizendo que não é preciso tomar a visão como modelo de conhecimento. Podemos pensar nos órgãos dos sentidos com ferramentas para manipular o objeto mas não para nos dar uma idéia final sobre o conhecer.
Os pragmatistas tem como objetivo acabar com a diferença entre conhecer e usar as coisas, e, para combater essa noção é preciso destruir a distinção entre intrínseco e extrínseco. Feita essa distinção desaparece também a distinção entre realidade e aparência, desaparecendo a preocupação de saber se há barreiras entre nós e o mundo.
O chamado senso-comum classifica o pragmatismo de excessivamente antropocêntrico, tratando a humanidade como medida de todas as coisas, desprovido de humildade de noção de finitude humana. Os pragmatistas respondem a esta reação dizendo que o próprio senso-comum não passa de hábito de usar determinados conjuntos de descrições. Na visão pragmatista o sentido de admiração não deve ser confundido com o sentido de que existem coisas fora do alcance dos seres humano. O sentido indesejável de humildade pressupõe que há algo melhor e maior que o humano; o sentido desejável de finitude pressupões apenas somente que existem muitas coisas que são diferentes do humano. Um sentido pragmático nos mostra que há alguns planos do conhecimento onde as ferramentas que dispomos são ainda insuficientes para descobrirmos algo.
Para os pragmatistas o sentido de admiração e mistério que era associado pelos gregos ao não humano é transportado para o futuro humano. A humanidade do futuro será como a atual, porem superior de maneiras ainda impossíveis de imaginar.
A sugestão pragmatista é que se tratem as coisas do universo como se fossem números, por ser muito difícil pesar nestes como possuidores de naturezas intrínsecas, sendo, por conseguinte, difícil descrevê-los com linguagem essencialista. A sugestão é que se pense nas coisas como semelhantes à números baseado na teoria de que “não há nada para ser conhecido sobre eles exceto uma infinidade grande, e para sempre expansível, rede de relação com outros objetos.” Assim, não haverá mais descrição do objeto real fazendo oposição com o objeto aparente.

(Fim)
*

quarta-feira, 17 de março de 2010

Pragmatismo... o que é isso? - parte I


A definição de Pragmatismo foi criada em 1878, por Charles Pierce no ensaio filosófico “Como tornar claras as nossas idéias”. Anos depois, Pierce declarava ter inventado o nome Pragmatismo para sua teoria a qual dizia que o significado racional de palavras e expressões consiste somente em seu alcance sobre a conduta da vida. Vinte anos depois o termo Pragmatismo foi introduzido na filosofia por William James por meio de um relatório no qual ele fazia referência à doutrina exposta por Pierce no referido ensaio. James generalizou o método pragmático, desenvolvendo isto de uma crítica da base lógica das ciências em uma base para a avaliação de toda a experiência. James argumentou que o significado de idéias só é achado em termos das possíveis conseqüências destas. Se estiverem faltando conseqüências, as idéias não têm sentido. Ele foi avesso à sistemas metafísicos absolutos.
Pierce distinguia duas versões fundamentais de pragmatismo que eram o Metodológico e o Metafísico. O Metodológico não tinha como objetivo definir a verdade ou a realidade, mas desenvolvia um procedimento para determinar o significado das proposições. A proposta era sugerida pela exigência de achar um procedimento para fixar crenças, que podia ser científico ou experimental. No Metafísico, as teses fundamentais consiste em reduzir a verdade à utilidade e a realidade ao espírito. Esta tinha concordância com os espiritualistas franceses. Seu pressuposto era o princípio em comum com o pragmatismo metodológico, que é a instrumentalidade do conhecimento. Mas esse pressuposto é entendido e realizado de modo diferente; procura-se evidenciar a dependência da totalidade dos aspectos do conhecimento em relação à exigências da ação e às emoções em que estas se concretizem, pois as ações e os desejos humanos condicionam a verdade, inclusive a verdade científica.
Richard Rorty argumenta que o pragmatismo americano começou com a adoção de uma crença como hábito de ação. A importância disto é que se evita pensar em uma crença como uma representação, evitando também a questão de se esta representa o mundo como ele realmente é ou como nos parece ser. Substituir reflexões sobre o que representa uma crença por questões sobre a utilidade de uma crença foi uma trabalho realizado por Willian James e por John Dewey, que eram defensores e difusores do pragmatismo. Eles entendiam que a escola democrática devia formar gente pronta para a ação, capaz de, por si mesmo, pela pesquisa ou pela atuação, encontrar os caminhos para o seu lugar na sociedade.

(continua...)
*

sexta-feira, 5 de março de 2010

Agilidade filosófica


Essa anedota expressa bem a idéia do que seja Filosofia...

Um professor de Filosofia entra na sala de aula, põe a cadeira em cima da mesa e escreve no quadro: "Provem-me que esta cadeira não existe".

Apressadamente, os alunos começam a escrever longas dissertações sobre o assunto. No entanto, um dos alunos escreve apenas duas palavras na folha e entrega-a ao professor.
Este, quando a recebe, não pode deixar de sorrir depois de ler:

"Que cadeira?"
*

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A morte de Deus

"Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas." Friedrich Nietzsche


Como matar o "imatável"? Como destruir o "indestruível"? Como matar o que nunca se viu, nem se tocou, nem sentiu o cheiro, nem se ouviu... há àqueles que dizem que o sentem. Mas sentem como? Eles não explicam!
Aí eu pergunto: - Será que algum dia Deus esteve vivo? Será que já existiu? Precisamos dele para existirmos ou ele precisa de nós para existir?
Nem Nietzsche com o seu Zaratrusta conseguiu sanar essa questão. Ele simplesmente logrou um caminho diferente, genial, extremamente ousado e filosoficamente fantástico.

"Deus está morto" é talvez uma das frases mais mal interpretadas de toda a filosofia, vista apenas como uma simples declaração de ateísmo, demonstrando uma análise descontextualizada da frase.
O dito, na verdade, anuncia o fim dos fundamentos transcendentais da existência, de Deus como justificativa e fonte de valoração para o mundo, tanto na civilização quanto na vida das pessoas. Assim, a morte de Deus abriria caminho para novas possibilidades humanas. Os homens, não mais procurando enxergar uma realidade sobrenatural, poderiam começar a reconhecer o valor deste mundo. Assumir a morte de Deus seria livrar-se dos pesados ídolos do passado e assumir sua liberdade. Essa possibilidade seria de uma responsabilidade tão grande que Nietzsche acreditava que muitos não estariam dispostos a enfrentá-la. É muito mais fácil se apoiar em mitos, deuses e coisas transcendentais do que enfrentar a própria realidade.

Por isso, tenho certeza de que esse "pensar nietzscheano" correrá muito ainda através dos tempos...
*