segunda-feira, 31 de maio de 2010

Justiça platônica

Estas são algumas anotações sobre Justiça, captadas no livro A República do filósofo grego Platão.

No livro 3 de A República é visto que a base de sustentação do Estado é o estabelecimento da justiça entre as pessoas. Sem relações de justiça não há a mínima possibilidade de haver harmonia e estruturação do Estado em si mesmo. É a justiça que garante a participação de todos no processo social e político da cidade.
Sobre a participação de todos no bem comum é necessário frisar que a concepção platônica não fere de modo algum a individualidade dos membros da sociedade, pois é em vista do bem de todos que cada um deve colocar o seu interesse pessoal. Se o indivíduo não renuncia a parte de sua individualidade, a sociedade pode deixar simplesmente de existir. A luta pelo bem comum não é a luta contra o bem individual, já que ela permite que o todo prevaleça e, assim sendo, que o individual também tenha seu espaço preservado.
A justiça diz respeito a uma atividade interna do homem, aquilo que ele verdadeiramente é. A justiça não deve permitir que qualquer uma das partes internas da alma se dedique a tarefas alheias nem que interfiram umas das outras. A justiça consiste em dispor, de acordo com a natureza, os elementos da alma, para serem dominados ou dominar uns aos outros. A injustiça é resultado de uma ação conduzida pela ignorância, que leva à ingerência, à sedição dos elementos da alma, fazendo os elementos da alma governar uns aos outros não de acordo com a natureza. .
A justiça não consiste em uma convenção estabelecida como lei pelos homens, diante da lei natural, para defender os fracos contra os mais fortes. Para Platão a Justiça na cidade e no indivíduo é a mesma, ou seja, é a unidade da ordem. A cidade é um grande todo integrado por indivíduos, famílias e classes sociais com atividades e interesses muito distintos. Não seria possível uma entidade social se entre suas diversas partes não reinasse uma ordem rigorosa que reduzisse a diversidade à unidade, assinalando a cada parte o lugar e a função que lhe correspondem dentro da totalidade. É a mesma ordem que deve reinar dentro de cada um, pois a justiça é uma virtude da alma que introduz unidade dentro do composto humano.
O posicionamento político de Platão baseou-se num propósito de restabelecimento de novos patamares para uma sociedade dispersa e sujeita ao bel-prazer dos que detêm o poder. Com ele, a sociedade pode vislumbrar novas perspectivas através da participação de todos num ideal comum, isto porque, de nada adianta ter um rei filósofo a administrar o Estado se os cidadãos não se engajam no mesmo ideal de justiça e Bem comum.
Para que haja justiça em todo o contexto da cidade, cada cidadão deve desenvolve-la dentro de si. O homem deve trabalhar a sua inteligência voltado para esse objetivo. Para isso, tem que elevar o seu entendimento acima do senso comum, compreendendo que há uma realidade superior à que enxergamos com os nossos sentidos materiais. Se o indivíduo só der valor àquilo que existe no mundo sensível, permanecerá na mediocridade humana e apenas viverá de acordo com as convenções do meio em que vive, achando, inclusive, a injustiça uma coisa normal, tomando-a muitas vezes como justiça. Mas, a verdadeira justiça é a que existe no mundo das idéias, onde tudo é perfeito e eterno, e, é essa justiça que deve ser copiada para que haja uma “República” perfeita. Para isso, o indivíduo precisa transcender à sua realidade e vislumbrar essa verdade.
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domingo, 2 de maio de 2010

O Pragmatismo e Nietzsche

O pragmatismo, mesmo sendo conhecido como uma corrente de pensamento tipicamente norte-americana teve simpatizantes tipicamente europeus. Nietzsche é um dos exemplos que foi reconhecido por muitos como tendo uma postura pragmática no campo da teoria do conhecimento. A sua postura foi pragmática nas suas reflexões filosóficas no que concerne à busca da Verdade, essa verdade com ‘V’ maiúsculo tão almejada pelos filósofos alemães a exemplo de Kant e Heidegger.
Richard Rorty declarou que “Como um bom americano, e como alguém que se pensa como um pragmatista, é claro que sou inclinado a ver o pragmatismo como tendo duplicado todas as melhores coisas de Nietzsche...”. Duplicar nessa assertiva não significa simplesmente copiar, e sim dar continuidade, aumentando o alcance da das suas reflexões e principalmente analisar mais amplamente as suas conseqüências, haja visto anteriormente, que se as idéias não tiverem conseqüências, no pragmatismo, também não têm utilidade.
Nietzsche se situa em uma posição onde se perdeu toda a ilusão sobre a chance de estabelecer verdades definitivas sobre as coisas. É essa consciência que estará na origem do tipo de análise filosófica dele. Se não há mais um “mundo-verdade”, então o “espírito livre” saberá que existem apenas diferentes “interpretações”. E sua tarefa será interpretar as interpretações. Se o “cristianismo” não é mais a “verdade”, mas “apenas uma perspectiva entre outras”, é como tal que ele deve ser analisado.
A finalidade da vida humana não é tentar encarnar em coisas maiores do que o meramente humano. Ele criticou duramente essa idéia declarando que todas as crenças humanas são erros e mentiras. O conhecimento não possui um fim em si mesmo. Isso é uma concordância notória entre Nietzsche e os pragmatistas, pois a formação de crenças está a serviço dos desejos humanos. Sendo “crenças” um “hábito de ação”, estas são simplesmente uma forma de conseguirmos o que queremos.
Rorty afirma que “O filosofar pragmatista começa com a sugestão de Kant de que a verdade empírica é uma questão de coerência entre nossas representações...”. Nietzsche e os pragmatistas vão mais adiante com a negação da diferença entre a coisa-em-sim e o fenômeno, ou seja, entre o empírico e o transcendental. Eles atuam com um determinado efeito sobre o existir. Eles operam com um postulado prático que tem por objetivo levar a uma aprovação integral da existência.
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