domingo, 15 de julho de 2012

Filosofia? E eu com isso?

Filosofia? Pior do que não saber, é fingir que sabe; pior do que não conhecer, é fingir que conhece. O conhecimento e, portanto, a inovação, começa exatamente quando sei que não sei algo, quando tenho consciência da minha ignorância e enxergo a urgência em saná-la.
O ato de dizer “não sei” quando, de fato, não sabe, demonstra inteligência, humildade e desejo de aprender.
Filosofia é um modo de pensar sistemático, organizado e metódico com questões precisas daquilo que se faz, para indagar sobre os porquês. E por que não é como. Quem pergunta pelo como é a ciência.
A Filosofia se preocupa em pensar as razões da existência. Pensar aquilo que, de fato, faz com que o ser humano tenha sentido. Por exemplo, do que é feita a realidade? Por que é deste modo e não de outro? Qual o sentido que as pessoas dão à vida? Qual o lugar do mal dentro disso? A felicidade existe ou é ilusão? Por que existe alguma coisa, em vez de nada existir? Existe loucura? Vida boa o que é? É certo apenas o que é útil?
Um grande pensador do Brasil, Luis Roberto Salina Fontes, que foi professor da Universidade de São Paulo, dizia que não basta delirar e achar que está filosofando. Repita-se: a Filosofia é a atitude metódica, disciplinada, estruturada e intencional de indagação sobre as razões de ser das coisas e fatos, de maneira a produzir consciência e inovação.
A rotina do cotidiano nos leva muitas vezes a agir e viver no modo automático ou robótico, e isso impede a clareza das direções e bloqueia as condições para a edificação do inédito; a Filosofia é um brado de alto lá!
A Filosofia também inquieta, e a inquietação costuma ser criativa. Quando alguém, em vez de ficar animado com o que faz, fica apenas satisfeito, para de ir adiante; afinal só quem se sabe ainda pequeno é capaz de crescer, pois aquela pessoa que já está satisfeita com a dimensão que atingiu vai direto para a acomodação.
A Filosofia sozinha não nos basta para isso, mas sem ela fica mais difícil. Ao propor-se como reflexão sistemática, trazendo à tona as grandes questões que sempre estiveram fustigando a humanidade, a Filosofia que exercermos nos deixará mais capazes de lidar melhor com a nossa vida em meio a tantas vidas.
Somos, homens e mulheres, para usar uma expressão do italiano Umberto Eco, uma “obra aberta”, sempre em processo de invenção e reinvenção. Não nascemos prontos e viemos nos gastando; ao contrário, nascemos não prontos, e vamos nos fazendo...
Uma das coisas mais perniciosas para quem deseja dedicar-se à Filosofia é supor que ela serve para ensinar a pensar. É necessário lembrar que pensar é um atributo atávico da espécie, certo? Não é ensinado. Aí, você diz: “Não, mas é porque a Filosofia ensina a pensar de forma crítica”. Não necessariamente. Os nazistas tinham seus filósofos. As ditaduras têm os seus filósofos.
Isso significa que a Filosofia em si não tem a pureza que se deseja, ela precisa ser purificada. Essa purificação vem à medida que a gente retira dela qualquer marca de doutrinação e procura ser objetivo, para que nela não haja forma alguma de autoritarismo.
É da natureza do pensamento filosófico que você seja capaz de dizer às pessoas “pense nisso”, em vez de “pense isso”. Porque o “pense isso” é o pensamento impositivo, enquanto que o “pense nisso” é a oferta de uma série de indagações para uma reflexão que torna a nossa existência mais nítida, mais clara, mais consciente e, portanto, menos alienante.
A Filosofia por si, como disciplina, não tem o poder de desalienar. Nada é por si mesmo libertador, ou alienador. Dependerá do conteúdo e contexto.
Nunca me perguntaram o que eu não gosto na Filosofia. Porque a suposição sempre é que quem nela está é por ela é apaixonado. Eu costumo dizer que a paixão é a suspensão temporária do juízo. Eu tenho uma grande admiração, uma grande apreciação pela Filosofia, mas não sou apaixonado por ela. Porque, se eu fosse, eu perderia minha capacidade de objetividade; perderia, inclusive, a possibilidade de distanciamento crítico.
Eu não gosto na Filosofia da capacidade de ela nos capturar, de nos escravizar em alguns momentos, a partir de alguns esquemas mentais, quem podem nos levar a nos afastar da realidade.
Eu tenho com ela uma relação amorosa. Mas não me perco dentro dela e nem quero que ela se perca em mim. Eu a respeito. Quero ser por ela respeitado.
Quero ser livre; quero filosofar com a minha própria cabeça, usando a cabeça dos outros, especialmente o que muitos pensaram e está registrado nos clássicos. Quero me encantar com os clássicos da Filosofia para fazer a minha cabeça ficar melhor, mas quero ser livre.
Livre para pensar por mim mesmo e poder existir de maneira decente e consciente com os outros que comigo fazem a Vida.


Introdução do livro Filosofia e Ensino Médio, editora vozes, 2009. (adaptado)
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